BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O CONTRATO DE SEGURO
O contrato de seguro é a convenção pela qual alguém adquire, mediante pagamento de um prêmio, o direito de exigir da outra parte uma indenização, caso ocorra o risco futuro assumido, nos termos do previsto no art. 757 do Código Civil, abaixo transcrito:
Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.
Nos termos do parágrafo único do dispositivo legal supra citado, somente pode sefigurar como segurador entidade para tal fim legalmente autorizada pelo governo federal. A sua atividade é exercida por companhias especializadas, ou seja, por sociedades anônimas.
Por outro lado, pode figurar como segurado qualquer pessoa capaz para os atos da vida civil. O incapaz deverá estar devidametne representado ou assistido.
A apólice e o bilhete de seguro são os instrumentos do contrato. Nelas devem estar estabelecidas todas as cláusulas essenciais do ajuste, contendo os riscos assumidos, o início e o fim da validade da cobertura, o limite da garantia e o valor do prêmio devido pelo segurado, além de, conforme a espécie do contrato, noear o segurado e o beneficiário, conforme preceitua o art. 758 do Código Civil:
Art. 758. O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.
Em razão da forma que o contrato de seguro se realiza é correto se dizer que se trata de um contrato bilateral, oneroso, aleatório, consensual, de adesão e formal, sendo que deve ser formalizado na forma escrita, considerando-se perfeito o contrato desde o momento em que o segurador remete a apólice ao segurado, ou faz nos libros o lan;camento usual da operação.
O contrato pode ainda ser contratado por meio de bilhete de seguro, que e um instrumento simplificado.
Há que considerar a controvérsia a respeito da necessidade da formalização do contrato pela forma escrita, visto que existem autores que entendem que a forma escrita não é requisito elementar para a formalização do contrato, sendo, portanto, de caráter consensual, de modo que se comprova o contrato de seguro mediante exibição da apólice ou do bilhete de seguro, e, não os havendo, do documento que consigne o pagamento do prêmio.
Não se exige capacidade do beneficiário por este não fazer parte do contrato, sendo apenas terceiro em favor de quem se estipula o benefício.
A validade do contrato de seguro requer, como qualquer outro negócio jurídico, liceidade e possibilidade do objeto, que é justamente o risco descrito na apólice.
O Código Civil de 2002 determina no art. 762 a nulidade do contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário ou de representeante de um ou de outro, vide transcrição do dispositivo legal retro citado:
Art. 762. Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.
O preceito do Código de 2002 pôs fim à controvérsia que vicejava na vigência do texto anterior, deixando evidenciado que somente o ato doloso, devidamente demonstrado, é causa de nulidade do contrato.
Segundo os ensinamentos de Gonçalves (Gonçalves, 2004, p. 478): “não se exclui a possibilidade se convencionar o pagamento de indenizações resultantes de culpa leve do segurado, como sucede nos casos de seguro de acidente de veículos”.
O contrato de seguro é um contrato de boa-fé, pois, por exigir uma conclusão rápida, requer que o segurado tenha uma conduta sincera em suas declarações a respeito do seu conteúdo e dos riscos, sob pena de receber sançòes se proceder com má-fé e que o segurador tenha conduta legal na conclusão e na execução do contrato.
O art. 765 do Código Civil trata a necessidade da boa-fé no contrato de forma bastante clara, conforme se evidencia com a transcrição do alhures citado dispositivo legal:
Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.
Conforme ensinamentos de Maria Helena Diniz (Diniz, 2002, p. 476): “A má fé de ambos deverá ser comprovada”.
Se o segurado for desleal, respondendo com inverdades às perguntas necessárias à avaliação do risco e ao cálculo do prêmio, ter-se-á a anulabilidade do contrato, fundada no dolo, a perda do seguro e o dever de pagar o prêmio vencido.
Todavia, se a declaração errônea feita pelo segurado não se der em razão de dolo ou má-fé, o segurador poderá rescindir o seguro ou, mesmo depois do sinistro, exigir a diferença do prêmio.
Cumpre ressaltar que somente a má-fé do segurado é punida pela norma do art. 766 do Código Civil, cabendo à seguradora a prova de sua ocorrência, vide transcrição do artigo supra mencionado:
Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.
Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio. (sem grifo no original)
Da análise do texto legal se extrai que as declarações inexatas ou omissões que não decorram de conduta dolosa não viciam o contrato, não sendo, portanto, hábeis a anular o pacto celebrado.
A respeito do tema Alves (Alves, 2003, p. 692), assim leciona:
“Entretanto, se a inexatidão ou omissão nas informações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito de resolver o contrato, caso o risco não se tenha verificado, ou de cobrar, mesmo após a ocorrência do sinistro, a diferença do prêmio.”
Os Tribunais assim têm decidido a respeito do tema:
TJCE-025576) CIVIL E PROCESSO CIVIL. SEGURO DE VIDA. AÇÃO DE COBRANÇA. DOENÇA PREEXISTENTE. OMISSÃO AO CONTRATAR. INEXISTÊNCIA DE CORRELAÇÃO COM A CAUSA MORTIS. MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR. RECONHECIDO. PRECEDENTES DO STJ. SENTENÇA MANTIDA. 1 - Sobre a moléstia, oportuno salientar que é irrelevante apurar se o segurado padecia de doença anterior ao contrato e se deixou de revelar a informação à seguradora, vez que pelo exame da documentação acostada, notadamente da certidão de óbito, não há correlação da doença indicada pela seguradora como preexistente (insuficiência renal crônica) com a causa mortis (pneumonia). 2 - Sabe-se que o ônus de provar a má-fé do segurado compete à seguradora, por força do que dispõe o art. 333, inciso II, do CPC, in verbis: "O ônus da prova incumbe: II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor". 3 - É bom salientar que em se tratando de contrato de seguro, não basta provar a preexistência da enfermidade para a escusa do dever de indenizar, mas é imprescindível a comprovação inequívoca da má-fé do contratante, posto que não é presumida. No caso concreto, era ônus da seguradora demonstrar que a "omissão fora intencional com o objetivo de ocultar fatos que influenciariam diretamente na aceitação da proposta ou taxa do prêmio" (Art. 766, caput, CC). Nesse sentido, observo que o a seguradora/recorrente não logrou êxito. 4 - Ainda sobre as alegativas da recorrente, falta com a veracidade quando faz referência ao período entre a contratação e o sinistro, ao mencionar que o segurado faleceu três meses após contratar. Na verdade dos autos o início da vigência do seguro foi em data de 12.02.2000 e óbito ocorreu em 10.05.2002. 5 - Ademais, se pairavam dúvidas quanto às informações prestadas ao contratar, cabia à seguradora/recorrente certificar-se sobre a veracidade dos fatos por exigir previamente exames ou perícias capazes de atestar sobre a saúde do pretenso segurado. Se não fez, é notório que concordou com as declarações prestadas e assumiu o risco. Não deixando de salientar ainda que o risco é fator inerente ao contrato de seguro, e é o segurador quem deve suportá-lo, não o segurado. 6 - Apelo conhecido e desprovido. Sentença mantida. (Apelação nº 634797-11.2000.8.06.0001/1, 5ª Câmara Cível do TJCE, Rel. Clécio Aguiar de Magalhães. unânime, DJ 22.09.2011). (sem grifo no original)
TJMG-349080) AÇÃO DE COBRANÇA - CONTRATO DE SEGURO DE VEÍCULO - NEGATIVA DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO - DECLARAÇÕES PRESTADAS PELO SEGURADO - PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ - NECESSIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DA INTENÇÃO DE AUFERIR VANTAGENS INDEVIDAS - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - ÔNUS DA PROVA DA SEGURADORA - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA - TERMO INICIAL. A boa-fé é da essência do contrato de seguro. Assim, somente evidenciada a má-fé do segurado, este sofrerá, via de consequência, a anulação da avença celebrada sem qualquer direito ao pagamento do capital segurado, nos termos do artigo 766 do Código Civil vigente. Existindo dúvida sobre a ocorrência ou não da má-fé, deve-se resolver o ajuste em favor do segurado, mormente levando-se em consideração os fins sociais do seguro e a maneira notória que os contratos são elaborados, tomando a jurisprudência cada vez mais posição favorável ao beneficiário. Deixando a seguradora de comprovar a conduta dolosa do segurado, ônus que lhe incumbia, nos termos do artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil, não lhe é dado se esquivar do pagamento da indenização devida em razão do sinistro. A correção monetária é devida desde o sinistro e os juros de mora incidem a partir da citação. Recurso provido. (Apelação Cível nº 0015107-98.2011.8.13.0701, 12ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Alvimar de Ávila. j. 05.10.2011, unânime, Publ. 17.10.2011). (sem grifo no original)
TJMS-053108) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO - INDENIZAÇÃO - INEXISTÊNCIA DA COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ SOBRE AS INFORMAÇÕES PREENCHIDAS NAS APÓLICES - BOA-FÉ DO SEGURADO - OCORRÊNCIA DO SINISTRO - DIREITO DO SEGURADO EM RECEBER INDENIZAÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 766, PARÁGRAFO ÚNICO DO CC/02 - COMPENSAÇÃO DA DIFERENÇA DO PRÊMIO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Se a inexatidão das declarações na proposta de seguro não decorre de má-fé do segurado, um vez ocorrido o sinistro é devida a indenização decorrente do contrato de seguro, cabendo à seguradora apenas o valor da diferença do prêmio que o segurado deveria pagar à época da contratação. (Apelação Cível - Ordinário nº 2011.020364-8/0000-00, 3ª Turma Cível do TJMS, Rel. Rubens Bergonzi Bossay. unânime, DJ 02.08.2011). (sem grifo no original)
Desta forma, tendo por fundamento os argumentos supra traçados se constata de forma inquestionável que somente em caso de comprovado dolo ou má-fé é que a seguradora pode se eximir do pagamento da indenização ao segurado, não se aplicando a isentabilidade da seguradora aos casos de mero erro no preenchimento da proposta de seguro, visto que em tal situação não resta configurada a violação da boa-fé e liceidade que nortea o contrato de seguro, nos termos da legislação civil pátria.
AUREO STÜPP JÚNIOR
Advogado Associado à Martins Biazetto Advogados e Consultores Associados
Inscrito na OAB/PR sob o Nº 35.746
Graduado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa em 2.002
Especializado em Direito Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina em 2.006